João Gilberto... 1959

Conheci João Gilberto no ano de 1959, ainda morando na Heitor Penteado, ao lado da Igreja Nossa Senhora de Fátima, ali no bairro do Sumaré em São Paulo.

Meu irmão Sidney, trabalhava na Tevê Tupi, assessorando seu diretor artístico George Henry e também trabalhava como divulgador da gravadora Odeon.

Foi nesta ocasião que Sidney, teve em mãos, quentinho, o compacto simples ‘Chega de Saudade’, para levar aos programadores das rádios da cidade de São Paulo.

Lembro-me  que eu estava em meu quarto fazendo meus deveres de escola, quando ouvi meu irmão me chamar à sala, para ouvir uma novidade que ele havia trazido.

Larguei tudo e fui ouvir ; Era o compacto, de um novo cantor.

Realmente para mim, foi inesquecível a emoção que senti ao ouvir pela primeira vez aquela introdução de flauta e a voz do João Gilberto, seu jeito diferente de cantar, sua batida ao violão; Mas que som era esse?

Foi o que perguntei ao meu irmão, que me disse ser: ‘isso é  bossa nova’ eu ainda sem acreditar falei... Isso é Musica Brasileira??

Ele disse sim é Musica Brasileira é uma nova bossa de se tocar o ritmo do samba...

Eu achei Incrível!

Como todas as adolescentes daquela época, eu era fã de musica americana,  ouvia Elvis Presley, The Platers, Nat King Cole e tantos outros grandes nomes.

E também como toda a adolescente da época não curtia a musica brasileira!

A musica brasileira era muito voltada ao sambão quase sempre enredo, só falava do Rio de Janeiro e o samba canção  que era próprio de musicas pesadas, coisa de gente mais velha e que eram denominadas ‘ musica de fossa’.

Com muita tristeza reconheço agora, que eu como a maioria dos jovens de minha época... tinha vergonha da musica do nosso país.

Então, a bossa nova soou para mim, como um sopro de um vento gostoso de ouvir, um samba alegre sem ser barulhento, em um estilo limpo que a gente ouvia, ouvia e nunca se cansava de ouvir.

Passei a ser tiete do João Gilberto e divulgava a bossa nova, para todos em minha escola. 

Nesta época, havia um programa de rádio que se chamava ‘Telefone Pedindo Bis’. Programa do disk- jockey: Enzo de Almeida Passos, que era líder em audiência e todos os jovens da época ouviam e participavam telefonando para lá.

Era um programa sem preconceitos, tocava Elvis Presley, Nat King Cole, Nelson Gonçalves, Dolores Duran...

Ele tocava uma relação de 20 musicas  e os ouvintes escolhiam as 10 mais queridas.

Sempre ganhava Nat King Cole ou The Platers,  era difícil um interprete brasileiro chegar ao 1º lugar....Bem, verdade seja dita, de vez em quando, pintava o Nelson Gonçalves com sua "Boemia".

Até o dia em que ele tocou ‘Chega de Saudade’ com João Gilberto.

Saímos todas minhas amigas e eu,  para telefonar para o ‘Telefone  Pedindo  Bis...

E por incrível que pareça,  esta gravação chegou ao 1º lugar deste programa

Ou seja, o publico gostou muito desta ‘tal’ de bossa-nova.

Apesar de ter muitos adeptos, eu me lembro de que este compacto ‘Chega de Saudade’, foi muito criticado em programas de Rádios e da Tevê, por radialistas tradicionais e equivocados, mesas redondas nas rádios, nas tevês, onde os compositores e sambistas de escolas de samba do Rio, disseram que este estilo, iria descaracterizar o samba e a musica brasileira  porque era influenciado pelo jazz americano;

Então partiam para ignorância, chegando a quebrar o disco na frente de todos , um horror.

Nesta época, havia um programa de televisão na Tevê Tupi aos domingos, produzido por Ribeiro Filho, (fã da bossa nova),era patrocinado pela empresa Serva Ribeiro.

Foi então que Ribeiro Filho, resolveu trazer o João Gilberto todos os domingos, para que o publico paulista pudesse assisti-lo e vê-lo também, porque na TV Tupi , havia um auditório .

Meu irmão Sidney  ficou então encarregado de cuidar da chegada  do João Gilberto, em São Paulo.

João sempre vinha sem o seu violão, então meu irmão já levava o dele, para que João fizesse o programa.

Infelizmente também nessa época, era tudo proibido à menores de idade, até ir á televisão para assistir os programas.

Isto me deixava triste, porque havia me tornado fã de carteirinha do João e meu irmão sabia disso.

Então me contentava com as historias que o Sidney me contava, sobre  o João, seu jeito especial de ver as coisas, já que até o nome do Ribeiro Filho ele não conseguira gravar, chamando-o de 'Seu Serva'...confundindo o produtor com o patrocinador...e me contava também sobre as idas e vindas de João para cá e suas saídas com ele, pelas boates de São Paulo.

Uma noite, eu já estava dormindo, quando acordei com a voz de minha mãe me chamando:_ Jane o Sidney quer que você levante  porque ele trouxe uma surpresa para você, eu acho que é o ‘tal’ do João Gilberto.

Achei que não tinha entendido muito bem o que minha mãe havia me dito. Mas mesmo assim fui até o portão de entrada de minha casa, para ver do que se tratava.

E lá estavam ao lado de meu irmão  o João Gilberto e a Irenita  que  era uma das garotas propagandas mais lindas da TVTupi (usava sempre  uma trança, que ficava de um lado da cabeça e caia em um dos ombros).  

Fiquei maravilhada,  adorei conhece-lo.

Meu irmão nos apresentou e disse ao João que apesar da minha pouca  idade, eu  já era uma fã  da bossa nova e contou que eu havia levantado da minha cama, só para conhecê-lo...

Eu fiquei toda envergonhada , mas João pegou na minha mão com carinho e disse : Que bom que a minha musica tenha sensibilizado você, mas, essa menininha que estava dormindo, tem  que voltar pra cama, porque é bom e muito importante  dormir.

Naquela noite foi difícil  pegar outra vez no sono, eu me lembro de que tive uma vontade louca de ser adulta, para trabalhar com eles e andar pela noite , lembro também que senti muita inveja da Irenita, pois ela podia acompanha-los e eu não...

Adormeci com este pensamento, ‘quando eu crescer quero ser cantora, para poder sair à noite e cantar em boates’.

No dia seguinte, na escola, contei pra todas as minhas amigas.

Algumas acreditaram... Outras nem tanto...

E desde esta ocasião, o João passava sempre pela nossa casa no Sumaré ,era só o 'Seu Serva chama-lo,  pois já sabia se virar bem em São Paulo, então vinha sozinho, as vezes para buscar o violão do Sidney, outras vezes só para tomar um cafezinho com o bolo de domingo da Dona Conça, minha Mãe.

Chegava, nas tardes dos domingos, tomava o lanche da tarde, ia à missa das 18h00 na Igreja Nossa Senhora de Fatima com meus irmãos e depois iam todos juntos para a Tevê Tupi.

Era muito tímido , carinhoso e simpático conosco, minha mãe adorava ele.

Varias vezes eu o encontrei  em volta da mesa da sala  apreciando, ou jogando cartas com minha mãe e minha prima Zezé.

Isto se tornou tão comum pra mim, que eu já nem ficava mais em casa, para vê-lo, preferia ir para os bailinhos com minha turma.

Eu nunca mais vi o João Gilberto, assim tão próximo.

Mas João continuava em ascendência,  mas havia parado de fazer os programas na Tv Tupi de São Paulo,  já não morava mais no Brasil,  virou uma celebridade!

A sua Bossa-Nova havia atravessado as nossas fronteiras e estava fazendo sucesso no mundo inteiro !

Nós vibrávamos  muito com o seu sucesso!

Sua técnica em cantar com balanço solto as vezes adiantando as vezes atrasando e  ao mesmo tempo se acompanhando ao violão com o ritmo do samba preciso, é genial.
Se fecharmos os olhos teremos a impressão de que são duas pessoas, o violonista e o cantor.
Esta é a técnica  que fez o seu diferencial, a sua genialidade!
A sua bossa nova é uma escola a ser seguida por todos os músicos do mundo!

Em 1986, fui a um show dele, no Palace, na volta dele ao Brasil...

Sai do show deslumbrada... Ele realmente havia  se  superado em interpretação e se tornado  o mais importante  musico / cantor brasileiro. 
Sua apresentação era tão silenciosa, que se podia ouvir nitidamente seu violão e sua voz, cantava para um  público super respeitoso, que o aplaudia  entusiasticamente a cada final de musica .

O que marcou muito  pra mim nesse dia, foi quando  no final do espetáculo, abriram-se as portas do Teatro e o som da rua entrou em um volume extraordinário, acordando a  todos  nós que estávamos extasiados com o som do João! Foi um susto de realidade.

João Gilberto  será sempre para mim a minha maior referencia ! 

Um Gênio da Musica Brasileira  , pelo seu valor como o grande músico-cantor , pela sua criação da nova batida  para o ritmo do Samba e pela  importância  de seu estilo musical para a Musica Brasileira.

João Gilberto   não segue um estilo

Ele é o Estilo

..Este é o João Gilberto que tive a honra de conhecer...