De 1965 à 1970 com o Grupo Vocal “ Os 3 Morais”, no auge de
nossa carreira, éramos convidados para muitos projetos musicais.
Nosso Trio ensaiava 3 vezes por semana , às segundas,
quartas e sextas feiras. Os ensaios eram feitos sempre em minha casa.
Em um dia do ano 1969, Sidney
( meu irmão ) chegou em casa para ensaiarmos , com a noticia de que estaríamos
participando da temporada de shows que
Baden Powell faria em São Paulo.
Eu não liguei muito, pois
ainda não conhecia a fundo o trabalho deste gênio ( Baden), mas meus
irmãos, mais antenados, ficaram bem animados com o convite.
A direção dos shows, estaria
por conta do Miéle, que nós já conhecíamos e éramos amigos , os shows
seriam feitos no teatro Gazeta e a produção de Marcos Lazaro. Seriam 3 meses de
shows.
Fomos então, para a
primeira reunião no teatro , para conhecer
Baden Powell e o repertório, que
faríamos nos shows.
Chegamos na hora
marcada para o encontro como era do nosso feitio, mas não encontramos ninguém , perguntamos aos
empregados do teatro que lá estavam , onde poderíamos encontrar a equipe dos
shows de Baden Powell.
Nos indicaram um restaurante perto do teatro , onde eles
estariam almoçando .
E lá fomos nós...
Foi fácil localiza-los pelas risadas altas que vinham de uma mesa em um
canto, com muitas pessoas em volta e logo
identificamos que essa alegria toda, eram de Miele
, Paulo Cezar Pinheiro , os Músicos e no meio deles Baden Powell , contando ‘suas
historias’.
Baden falava baixo e tinha um jeito serio de olhar, mas olhava com
ar de moleque, dando a impressão de que estava sempre zombando. Sentamo-nos em uma ponta da mesa em outras cadeiras que gentilmente os garçons nos trouxeram e foi onde ficamos a tarde inteira, esquecendo do tempo ,só ouvindo as historias de Baden Powell, sempre com muito
humor e de suas andanças pelo mundo.
Baden sempre fechava uma historia com uma frase de efeito,
tipo provérbio
E que bem me lembro, esta foi a primeira vez que ouvi a frase: ‘Em rio que tem piranhas, jacaré nada de costas’ ou, a mais usada por ele...”Quem
pergunta...Nunca vai saber”
E de piada em piada, passou-se o tempo e acabamos nos
despedindo , marcando de pegar o
repertório no dia seguinte .
Saímos impressionados pelo jeito descontraído e malandro de
Baden, parecia um menino arteiro e nos fez rir muito. Pensávamos que pelo nome
famoso que já tinha, ele seria uma pessoas mais difícil de se lidar
, mas não, Baden realmente nos encantou desde o primeiro encontro.
No dia seguinte, conseguimos o feito de estarmos todos juntos no teatro e na hora marcada.
Aí conheci o musico Baden Powell, com seu violão e sua
genialidade!
Super profissional, passou as músicas que gostaria que cantássemos .
Era o lançamento de sua parceria com o Paulo Cesar Pinheiro e já havia escolhido quais musicas gostaria de nos
ver cantando .
E nesse mesmo dia, já conseguiu passar alguns arranjos para
os músicos .
Eu, como boa observadora, fiquei
só assistindo maravilhada.
Nunca havia visto uma pessoa tocar samba do jeito que ele
tocava.
Particularmente, eu não era chegada em samba de morro ou
aquele tipo de samba de escola de samba ou
roda de samba, afinal minha base
musical era jazzista com um certo conhecimento na
musica clássica e estava começando
timidamente no samba moderado da bossa nova...
Ou seja, com certeza o sambão , não fazia parte desta minha praia musical.
Mas o samba tocado por Baden Powell , era uma outra coisa, diferente...
Tinha uma certa magia.
Era bossa nova sim, mas com um balanço impressionante , uma
levada, sem falar na técnica de tocar; Coisa
de gênio mesmo.
E intimamente senti que
era hora de reavaliar os meus conceitos.
Adorei as musicas e as letras.
As grandes músicas como :Refém da Solidão, Carta de Poeta,
Violão Vadio, entre outras fariam parte do repertorio da segunda parte deste
show, porque a primeira parte seria somente Baden Powell e seu violão.
Foi durante estes shows que eu me aprofundei na importância de uma letra bem feita e foi durante este show que tive a honra de conhecer o grande letrista Paulo Cesar Pinheiro, que ficou meu amigo depois, frequentando minha casa , junto com o Eduardo Gudin.
Nossa!!! Foram os melhores shows que fiz em toda minha vida!
Sucesso absoluto.
Baden tinha uma plateia fiel e o teatro lotava, todos os
dias.
Apesar de admira-lo eu tinha por ele muito respeito, afinal
ele era o Baden Powell!
Ele brincava muito comigo e aos poucos fomos
nos tornando amigos.
Uma tarde, durante a pausa do ensaio, estávamos no
camarim, eu descansando e Baden em seu canto dedilhando ao
violão, foi a primeira vez que ele puxou
conversa comigo ,com um jeito meio sarcástico:
_Então, quer dizer que
você gosta e jazz??....
Eu expliquei toda
tímida quase me desculpando, ‘que por haver começado carreira de crooner em
orquestra, me identifiquei com a musica
americana, então meu repertorio era mais de temas de jazz do que propriamente de musica brasileira.
Ele me disse então que não era muito chegado em musica
americana, mas continuou a me testar:
_ então canta aí uma musica,
para ver se eu conheço.
Aí eu disse,
_existe uma musica que tem uma sequencia harmônica muito linda e fica muito bonita
ao som de violão chama-se ‘All
The Things you are’, vc conhece?
Ele disse que não, então, contei a ele que este tema não
fazia parte de meu repertorio e que quando ainda cantava no Stardust, o filho
do dono Alan Gordon, Leni Gordon (ainda um menino), me mostrou esta musica ao
violão.
E ele
_Canta aí então, vai cantando que eu vou seguindo
Comecei a cantarolar sorrindo
com ele me acompanhando , porque achei
que ele estava me enganando dizendo que não conhecia esta musica.
Ele terminou satisfeito e disse _’ E não é que ficou muito bonito isso...
No dia seguinte, enquanto me arrumava em um quartinho anexo
ao camarim, podia escutar o Baden
solando esta musica; Lindamente perfeito!
Sai feliz da vida do camarim e fui direto a ele dizendo _ Você quer
que eu acredite que sua praia não é o
jazz.?? Você deveria colocar esta musica
em seu repertório,entre um samba e outro , um tema de jazz,vai agradar muita
gente.
Ele sorriu , mas
mesmo me parecendo gostar da ideia, falou que gostava mais de
tocar samba e depois disso já ficou bem
mais solto comigo....
A partir daí viramos
amigos, conversávamos sempre, trocávamos ideias, ele me contava sobre sua vida
e eu sobre a minha.
Uma noite, depois do show, Baden soube que nós , os 3 Morais
iriímos fazer um show na cidade de Santos.
Quis ir junto conosco , para assistir nosso show e não é
preciso dizer que nem eu e nem meus
irmãos acreditamos...
Tentamos demove-lo dessa ideia louca , descer a serra á
noite pra assistir nosso showzinho, era uma loucura.
Nós falávamos:
_Mas Baden, vamos descer a serra e vamos todos em um carro.só..
E ele_ ’Eu vou apertado mesmo , eu quero ir com vocês , a
não ser que eu vá atrapalhar’
Como se um Baden Powell pudesse atrapalhar alguém...
E lá fomos nós, em um carro com
chofer, empresário e apertados no banco de traz nos quatro, meus
irmãos Sidney e Roberto, eu e Baden
Powell.
O show foi muito
lindo , em Santos, se a memória não me falha, foi no Ilha
Porchat Clube ,
Nesta época, era normal
em shows de bossa nova, a plateia sentar- se no chão
E foi quando nós
tivemos a honra de ter Baden Powell nos
assistindo, sentado no chão, como um simples mortal, feliz na plateia e sempre
com aquele jeito maroto de menino arteiro.
Baden não parava de me surpreender....
Um dia Airton Rodrigues, produtor e apresentador da Tv Tupi,
me perguntou se eu conseguiria levar o
Baden Powell para participar do programa ‘Almoço com as Estrelas”.
Seria um acontecimento, visto que o programa era bem popular e ia todos os sábados no canal 4, TV Tupy .
Baden era muito importante só fazia os programas voltados a musica
elitizada, bossa nova , MPB de qualidade , já era um artista internacional, portanto, dificilmente
toparia.
E eu imaginei que para o Airton, seria uma gloria tê-lo no programa.
Nesse programa, o artista não recebia cachet em dinheiro,
mas sempre tinha uns prêmios.
Como era época de copa do mundo, tive a ideia de pedir uma tv
, para que Baden pudesse assistir aos
jogos no quarto do hotel ( naquela época, eram poucos hotéis que tinham tvs nos
quartos)
O Airton falou _ Sem problemas, traga o Baden que vocês levam a tv.
Foi bem mais fácil do
que eu imaginara o Baden topou na hora, mas
com uma condição : que eu ficasse ao lado dele, senão ele fugiria .
Lá fomos nós no sábado, sentarmos à mesa do Almoço com as
Estrelas.
O Airton nem
acreditou quando nos viu chegar e não escondeu sua satisfação de ter Baden
Powell em seu programa. Baden foi
apresentado com todas as honras que merecia.
Como era Almoço com as estrelas era servido uma almoço para todos os convidados do programa e os
convidados teriam que ficar sentados ao
redor da mesa até ao fim do programa, porque se fossem embora, as câmeras
pegariam os lugares vagos e não ficava bem, já que o programa era ao vivo.
Aí , como ele era o Baden Powell, seu lugar foi bem ao
centro da mesa e ficamos visíveis o programa inteiro.
Toda hora Baden com
seu estilo irreverente, me falava baixinho, talvez para me deixar apavorada...
_Vamos ter que ficar até o fim?. Nós vamos ter que comer
mesmo , ou é só pra fingir?? Acho que eu
vou embora, eu acho que estou com medo,
acho que preciso ir ao banheiro e se
levantava..
E eu apavorada o segurava
, ai ele sentava de novo...
E eu ficava falando baixinho :
_ Por favor Baden, não me apavore, tenha calma, pense na sua tv,
nos jogos, falta pouco ,logo termina....
Uma loucura ! Mas ele aguentou o programa inteiro.
E foi longo, porque sua
apresentação ficou para o final, logico, ele era o Baden Powell...
Fiquei preocupada e até arrependida, porque não imaginei que
fosse ser assim tão cansativo para ele.
Baden assistiu todos os artistas que passaram por lá, alguns
bons, outros nem tanto.
Ganhou beijos de fãs e algumas rosas, coisa de programa de auditório.
Quando terminou o programa e para minha surpresa, ele me abraçou e disse:
_Menina, você é demais!!! Conseguiu uma coisa , que ninguém havia conseguido
antes, me fazer ficar sentado em silencio e me comportar...
E continuou...
_Sabe, eu gostei muito de estar aqui, gostei das pessoas, me diverti com o programa. Me diverti
amolando você, porque adorei ver você apavorada, voce
ia ficando vermelha e seus olhos abriam,
teve uma hora que pensei que voce
fosse até chorar....
E saiu todo feliz, com a sua televisão.
Poxa ...naquele dia percebi que na realidade Baden não só se parecia
com um menino arteiro, Ele era verdadeiramente um menino arteiro.
Aprendi muita coisa nestes shows, foi durante
estes shows que tive a oportunidade de fazer meu melhor solo, pois Baden me pediu que cantasse sozinha a musica ‘Carta de Poeta’ lindíssima e imensa.
E foi através de Baden Powell que entendi como é importante
o cantor passar a emoção, entendi o que é interpretação, porque ele me fez
primeiro entender o assunto da letra, para
depois me ensinar a melodia.
Pena que não tive a oportunidade de gravar esta música
‘Carta de Poeta’, mas não descartei ainda desta ideia...
Com certeza, devo a Baden Powell meu crescimento como interprete.
Depois destes shows, Baden viajou para a Europa e nunca mais
eu o vi.
Uma tarde já em 1988,
descobri um disco que ele gravou em
1970, em sua temporada na Europa e para minha surpresa, lá estava “All The Thing You Are”, em uma gravação tão
sublime, que ninguém conseguiu superar, coisa de gênio!
Baden Powell foi um Gênio
E com certeza, Baden Powell foi um dos
maiores representantes da Musica
Brasileira no Exterior!
Um orgulho para todos nós brasileiros!
...E este foi o Baden Powell, que eu tive a honra de conhecer
....
Nenhum comentário:
Postar um comentário