Pequeno texto sobre minha entrada no João Sebastião Bar- ‘O
Templo da Bossa Nova’
Em 1963 eu havia
saído da Orquestra do Osmar Milani,
estava desempregada e precisando de trabalho, quando meu irmão
Sidney veio me visitar e trouxe-me um
convite.
_Jane tenho um amigo
musico , chama-se Ely Arcoverde e
ele esta a procura de uma cantora
com urgência , pois vai estrear em uma boate muito importante e o pai da cantora de seu grupo, não quis deixa-la
cantar a noite...Falei de você e ele disse que se você quiser cantar com ele,
deverá ir ate o João Sebastião Bar, hoje
a tarde, pois estará lá ensaiando com
seu grupo.
Eu só tinha experiência em cantar para dançar, nunca havia
cantado em bares noturnos e tinha ate um
certo medo e preconceito sobre esses
lugares.
Mesmo assim e pela urgência dele e a minha urgência em
trabalhar, peguei meu repertorio e fui ate a Rua Major Sertório, onde ficava o
João Sebastião Bar.
Cheguei com a cara e a coragem e preocupada pois nunca havia cantado assim com músicos
totalmente estranhos a mim e sem nenhum irmão por perto.
A entrada era bem estranha, para o que eu imaginara ser uma
casa noturna.
Havia apenas uma
parede e um portão de garagem, que estava meio aberto.
Então ,tomando coragem
entrei e vi que o piso continuava adentrando o espaço, apesar de bem escuro
pude visualizar um pouco do que tinha lá dentro.
Do meu lado esquerdo, sem divisória nenhuma, havia uma
bateria, um contrabaixo encostado na parede
e um piano já montados, que
eu já visualizei um palco, em minha frente havia uma pequena
escada, para onde ficava o espaço da plateia, com varias mesas e um bancada de
alvenaria para que as pessoas se sentassem para assistir aos shows.
Fui recebida pelo baixista Nilton, que gentilmente veio me
encontrar logo na entrada e eu rapidamente me apresentei como Jane Morais, irmão do Sidney Morais.
Ele disse: -_Pode entrar sem medo, que estamos todos por aqui e estávamos torcendo para que você viesse.
Nilton então me
explicou que o líder do grupo estava muito chateado porque teríamos pouco tempo
para ensaiar, já que a estreia seria nessa noite mesmo e foi me levando pra
dentro do bar.
Eu observando
tudo, vi que a minha direita continuava
como um corredor onde havia o bar a esquerda
, algumas mesinhas em fila a direita e a escada que subia para o
mezanino, que ficava atrás do bar.
Fui entrando e mais calma ,conversando com o Nilton e ele me
conduzindo ate o bar, onde estava o líder do grupo.
Dava pra se notar, o clima de velório ali naquele ensaio.
Nilton me apresentou ao Ely Arcoverde, dizendo, esta é a
irmã do Sidney Morais, que poderá ser a
nossa cantora desta temporada; Ely
Arcoverde, sem olhar pra mim, levantou-se do banco do bar e foi direto para o piano e
disse: quais musicas você sabe cantar? Trouxe seus tons?
Abri meu caderno meio temerosa e fui falando que meu
repertorio de bossa nova era muito pequeno, pois era cantora de bailes e me especializara em temas de jazz, mas mesmo
assim tinha alguns temas de bossa nova que havia tirado do repertorio do João
Gilberto.
Ely Arcoverde foi folheando meu caderno , olhando para os títulos , achando os tons e assim fomos passando as musicas com o grupo todo.
Depois de umas dez músicas me disse...esta bom, pode vir hoje as
19:00 que começaremos nossa temporada.
Voltei pra casa extasiada, fora muito bom sentir o som do grupo do Ely Arcoverde, todos
os músicos eram de primeira e o tocavam
com muito entusiasmo e prazer.
Só deu tempo de comer
alguma coisa e me produzir para minha
primeira noite em uma casa noturna.
Voltei para o João Sebastião Bar e quando desci do taxi, já vi uma diferença
muito grande, na entrada do Bar, havia
muita gente , tipo fila e a casa já estava
lotada...era um local pequeno mas muito aconchegante.
O nosso grupo entrou as 20:00 e fizemos nossa primeira entrada, não sei dizer como saiu ,pois realmente estava tão nervosa, que nem senti
passar nossa primeira hora.
Gente ! O que era
aquele lugar!!! O som , a luz, havia uma energia contagiante!
O grupo que revezaria conosco já estava chegando e foi uma grata surpresa quando vi que era o grupo do Johnny Alf!!
Que satisfação e orgulho senti em estar naquele lugar ,
naquela hora e naquele meio musical, isso era tudo o que uma cantora poderia almejar!
Johnny Alf já me conhecia, pois eu costumava
ir assisti-lo em seus shows e
sempre dava ‘canjas’ com ele, por isso ficou feliz em me ver ali.
Na hora do show do Johnny Alf, me conduziram para o
mezanino, onde havia outra bancada de
alvenaria, para que as pessoas sentassem
e assistissem os shows lá de cima.
Apesar de que quem subia até lá estava mais para namorar do
que pra assistir shows.
O mezanino era um
lugar próprio para isso, pois era bem mais escurinho.
De lá de cima eu iria me
extasiar com o Som que se ouvia
nesse famoso João Sebastião Bar, o Templo da Bossa Nova! E ainda iria
receber por isso!!...
Nesse dia de minha
estreia o gerente não gostou muito de mim, porque esperava uma cantora de voz potente, alta, morena e gostosa e de repente chega uma simples ‘Janinha’, esse
foi o apelido que o grupo do Ely Arcoverde me deu.
Então no final da noite, quando o Paulo Cotrin que era o dono da casa chegou , logo soube através de seu gerente que a cantora havia
sido mudada e que a cantora nova cantava muito baixinho.
Terminou a nossa apresentação e como era de praxe, o Ely sempre dava carona em seu carro para o
grupo inteiro , então ele ofereceu
em me levar também e eu aceitei.
Estávamos então todos nos acomodando para sair só esperando o Nilton contrabaixista, quando ele
veio correndo dizer que o Paulo Cotrin havia pedido que eu retornasse ao bar,
pois queria me ouvir cantando.
Olhei para os meninos, pois sabia que quem estava no palco
era o grupo do Johnny , então achei meio
antiético eu ir sem eles e perguntei
sobre isso.
O Ely visivelmente chateado
me respondeu , vai lá que nós esperamos você aqui.
Eu
voltei e o Cotrim pediu que eu fosse para o palco.
Já não
havia quase ninguém no bar , apenas o
Paulo Cotrin, o Lane Dale ( o bailarino) e o
Johnny
Alf que estavam todos sentados naquela bancada que ficava
encostada na parede,
em frente ao palco.
Fui
para o palco e vi que no piano estava o Aluisio Pontes, que era quem
acompanhava o
Johnny
naquela época.
Johnny
Alf, falou: _ Janinha cante para nós o ‘My Funny Valentine’, Johnny já me conhecia cantando temas de jazz.
Dei meu
ton para o Aluisio e camecei a cantar acho que agrade , todos me aplaudiram muito e o
Cotrim começou a pedir que eu cantasse outras musicas do repertorio do Chet
Baker e eu fui cantando e o tempo passando e eles aplaudindo todas!
That Old feeling, Time after time, But
not for Me, There never be another you , entre outras…
E eu preocupada
com o Ely Arcoverde no carro me esperando, pois
via que só o
Nilton,
havía saído do carro pra me fazer companhia.
Então
falei para o Cotrin, que precisava ir
porque o Grupo estava esperando por mim.
Ele
disse tudo bem mas pediu que eu colocasse
estas musicas em meu repertorio
pois
achava
que iria agradar muito seus clientes.
Aceitei a ideia com prazer e sai voltando com o Nilton para o carro.
O Nilton
chegou falando entusiasmado do sucesso das musicas e o Ely Arcoverde, super
profissional
, falou...
_Amanha
quero que você traga essas musicas em uma fita, para nós ouvirmos e você ira
cantá-las
conosco, porque você é a cantora do Grupo do Ely Arcoverde..
Esta
noite foi de muitas surpresas
para mim, pois também me surpreendi,
quando o Ely
Arcoverde
pagou o meu primeiro cachet, que era maior do que costumava ganhar como
cantora
de bailes.
E mais importante, eu iria
receber aquela quantia todas as
noites, pois eu havia conseguido um
emprego!
No dia
seguinte passamos os temas todos e a noite foi só sucesso!
Aos
poucos, eu fui me tornando conhecida, das pessoas que sempre estavam por lá.
Eu
sempre me coloquei como vocalista do grupo do Ely Arcoverde, porque foi através dele
que me tornei conhecida como cantora
.
Foi Ely
Arcoverde que me ajudou muito
no começo de minha carreira e também
descobriu
meu estilo musical , o que se adaptava melhor com meu timbre e quem
me fez
conhecer o álbum do grupo vocal
‘Les Swingers Singers’
e foi através dele
que gerou o estilo de cantar
em scat’s de ‘Os
3 Morais’.
Ficamos
uma boa temporada no João Sebastião Bar.
O João
Sebastião Bar era denominado ‘O Templo da Bossa Nova’ e com razão, pois apesar de haver nessa época muitas casas importantes com MPB de qualidade em São Paulo...O João era
especial , havia uma certa magia lá
dentro.
Era um Bar, super
bem frequentado que apesar de caro estava sempre lotado, com gente se espremendo
nas paredes, sentados no chão, ou assistindo aos shows em pé desde a entrada até chegar
nos fundos da casa.
Era uma casa que a
música ao vivo era da melhor qualidade
pois além dos shows da casa, muitos artistas famosos, faziam um poit no João Sebastião e sempre
rolavam canjas.
Enquando estive por
lá, vi shows e canjas de músicos como Amilton Godoy pianista do Zimbo Trio, do Pedrinho
Mattar, da Claudethe Soares, do Sergio Augusto, entre outros .
Eu me lembro da luz que batia nas mãos dos pianistas e eu
como boa observadora, ficava lá de cima, no mezanino, vendo os diferentes tipos
de mãos, o Aloisio Pontes ,tinha mãos pequenas e tocava as teclas com mais
violência, ao contrario do Amilton Godoy, que tinha mãos finas e tocava as
teclas com uma delicadeza impar.
O João era muito aconchegante e todos tinham
prazer em ficar por lá ate fechar o bar, era uma mistura simpática entre músicos e artistas
que eram sucesso nessa época .
Muitos deles tinham o
habito de depois que terminavam suas
apresentações nas TVs ou Teatros,
irem se encontrar no
João para terminar a noite , jantar e
ouvir musica de qualidade.
Vi do mezanino o show da Isaurinha Batista que pra mim foi
um show de interprete e que emocionou a todos que
estavam por lá; Ela era com certeza “A
Personalissima”
O João Sebastião Bar não tinha preconceitos, se a musica
fosse de qualidade e o cantor ou cantora fossem bons , independente de seu estilo musical, poderiam estar em cima de seu palco , que era disputadíssimo.
Depois que deixei o grupo do Ely Arcoverde , voltei ao João para me apresentar em show com o grupo vocal ‘Os 3 Morais’.
Depois que deixei o grupo do Ely Arcoverde , voltei ao João para me apresentar em show com o grupo vocal ‘Os 3 Morais’.
João Sebastião Bar, era uma casa muito querida mas
infelizmente também acabou na época que quase todas as casas noturnas destinadas a shows
musicais de MPB foram fechadas aqui em São Paulo, nos anos 70.
*Em 2005 gravei com Os 3 Morais e alguns músicos e artistas famosos , que viveram os anos de sucesso da Bossa Nova o documentário, “Bossa Nova, aqui tem”, idealizado por Débora
Veríssimo, que conta a historia da participação de São Paulo na
Bossa Nova, cuja ambientação foi na
Rua Major Sertório justamente no lugar onde era o João Sebastião Bar.
Hoje no lugar, existe a pizzaria “ Veridiana “ que ocupa todo o
casarão.
Acho que poucas pessoas
como eu percebiam que o João
Sebastião Bar, era um anexo deste Casarão;
Um Casarão que é da segunda
metade do século XIX ( wikipédia )
Estivemos lá com a nossa antiga turma : Claudethe Soares, Sergio Augusto, Edgard Gianullo, Johnny
Alf, Alaide Costa, Ivete , entre outros
e pudemos conhecer o casarão por
inteiro, que é bem interessante .
E para a nossa
surpresa, na parte dos fundos vimos
que o lugar onde havia o palco do João Sebastião Bar , hoje tem um potente
forno a lenha....
E como músicos que
somos, brincamos com o fato de que:
“Pelo menos o 'espirito'
do João Sebastião Bar, continua guardado em um lugar quentinho”.
Ótimo texto, viajei!
ResponderExcluirQue delícia de texto! Posso dizer que EU ESTAVA LÁ! Era menor de idade mas com cara de mais velho e o Cotrim nos colocava no mezzanino com uma tigela de pipocas e um copo alto cheio de água com gelo pra passarmos a noite vendo tanta gente boa assim como a Janinha. Que saudades!
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