Elis Regina – 1966 –


Elis Regina – 1966 –

Conheci pessoalmente a  Elis Regina quando o Amilton Godoy pianista do Zimbo Trio, nos convidou ( Os 3 Morais) , para nos apresentar no Fino da Bossa, no programa especial de ‘boas vindas  a  Elis  que estava voltando de sua primeira excursão internacional.
O Zimbo Trio nos apresentou  como um presente a Elis e  nós cantamos a musica  Sambachianna de Ely Arcoverde, onde pudemos mostrar o nosso estilo de vocalização.
Elis ficou muito feliz  , gostou muito do nosso numero musical  nos elogiando em cena.
E  pelo sucesso que foi a apresentação, fomos contratados para fazermos todas as semanas com eles: Elis Regina/ Jair Rodrigues / Zimbo Trio, entre outros grandes,  o programa  “O Fino da Bossa’ na Tv Record.
Enquanto durou nosso contrato ( Os 3 Morais) na Tv Record, eu pude estar com a cantora Elis Regina , admira-la  como a grande profissional e como mulher corajosa e polêmica, em uma época que as mulheres pouco podiam.
Além de nos respeitar como companheiros de trabalho, Elis ficou nossa amiga.
Sempre tinha um tempinho para estar conosco conversando.
Foi em uma destas conversas que ela resolveu nos confidenciar que havia feito uma música e gostaria de poder canta-la  conosco, fazendo um quarteto vocal.
O Sidney meu irmão, achou a ideia  muito boa e marcamos um ensaio para conhecer a musica.

Fomos então, os Três  Morais, para o apartamento da Elis, em São Paulo, se bem me lembro na região  do começo da Rua da Consolação.
Quando chegamos, para  a minha surpresa  pegamos a Elis bordando,  é isso mesmo,  ela estava bordando uma tapeçaria!!
Era incrível vê-la assim fora dos palcos. Era uma menina super feminina e frágil.
Morava com uma senhora  que cuidava dela com carinho como secretária, quase babá.
Fomos apresentados, tomamos café e começamos a ouvir a  sua musica e o Sidney começou a dividir o nosso vocal.
Ficou lindo, era uma modinha, ela solava algumas partes e em outras dividia o vocal conosco; Foi um belo quarteto formado por nós,  duas mulheres e dois homens.
Como eu sempre fui  dada a estas coisas  femininas...me interessei pelo trabalho manual que ela estava fazendo, pois era a 1ª vez que eu via  uma tapeçaria feita em casa...que era  nessa época uma novidade.
Enquanto o Sidney desligava  o gravador  e guardava o violão,  Elis muito carinhosa,  pegou a agulha sentou-se ao meu lado e me ensinou como se fazia o ponto da tapeçaria e me indicou o lugar para comprar  a tela,  as agulhas e as linhas.
Saí de lá muito entusiasmada e fui direto comprar  o material para a ‘minha’ tapeçaria...
Comprei uma paisagem e na manhã  seguinte comecei a bordar.
 Lembro-me que saímos  entusiasmados com o som que haviamos conseguido e meu irmão sidney ainda elogiou a musicalidade da Elis, que sabia perfeitamente  cantar em vocal, pois colocava a sua voz  baixinho casando com a nossa, sem que aparecesse em primeiro plano e somente soltava  a voz quando estava solando a melodia.

Mas no dia seguinte na parte da tarde o Sidney me ligou, dizendo que a Elis havia ligado para ele dizendo que não teria coragem de cantar a música que era de sua autoria, por acha-la muito simples; O Sidney ainda  falou que mesmo sendo simples, a composição era dela e isso só iria valoriza-la.
Mas ela foi categórica e falou que não se achava uma boa compositora e com tantas musicas boas de tantos compositores excelentes, com harmonias modernas, porque que ela iria ocupar um lugar no programa (que era líder de audiência), com uma musica que não traria nada de novo para as pessoas.
E não teve o que se falasse, nem mesmo o Manoel Carlos na época o produtor do programa,  conseguiu  faze-la cantar.
Foi para mim uma prova de : ‘O que é ser um grande Artista’, pois Elis  não teve a vaidade de se mostrar como compositora, por não se achar a altura  dos compositores geniais da época.
Uma pena que nós não tenhamos gravado essa música, o gravador era dela e ficou com ela o nosso arranjo.

*A minha tapeçaria ficou linda, mandei fazer uma moldura  condizente e a cada vez que olhava para ela , me lembrava desse episódio.

Elis foi para mim sempre uma amiga carinhosa,  em que eu me espelhei ;
Tive muito exemplos que sigo até hoje, que me foram passados por ela,  principalmente  o seu impressionante senso de profissionalismo.

Eu sempre chegava cedo e ficava na platéia , com meus irmãos (Os 3 Morais)  assistindo os ensaios de Elis com o Zimbo Trio.
Seus ensaios eram um espetáculo à parte.
Tive a oportunidade de ver nascer o arranjo de ‘Upa Neguinho’, música que ela passou  a idéia  de arranjo que tinha  para o Zimbo Trio  e ficou  ensaiando  exaustivamente, repetindo, repetindo por horas, até achar que poderia  vir a ser apresentada  no programa do dia;
Mas quando a apresentou, o auditório veio abaixo..!!!

E como sempre,  ninguém  conseguiu supera-la  até hoje.

Aqui cabe uma outra historia muito marcante para mim:
 “O Fino da Bossa”, programa onde Elis  Regina era  a dona e soberana junto com o cantor Jair Rodrigues , era  dirigido  por Solano Ribeiro e Manoel Carlos.

Os 3 Morais, grupo  vocal, do qual eu fazia parte, eram um dos contratados deste programa; Também contratados eram:  Zimbo Trio, O grupo Vocal  O Quarteto , Orquestra do Cyro Pereira , mais o Regional do Caçulinha .
E todas as semanas haviam  grandes ‘novidades’, vários convidados, artistas famosos, que dividiam o palco com ela.
Todos tínhamos que chegar às 10 horas da manhã das  segunda feiras, (o dia do programa)  para pegar a pauta  e ver a nossa participação.
E sempre contávamos com alguns números especiais.

Um belo dia, Manoel Carlos e Elis Regina,  resolveram arriscar e colocar no programa, a “Sinfonia do Rio de Janeiro” maravilhosa obra  de Antonio Carlos Jobim/ Billy Blanco , para abrir o programa que ia  sempre ao vivo, para o Brasil inteiro!!

Neste dia, que eu me lembro, os convidados eram: Wilson Miranda, Doris Monteiro, Wilson Simonal,  Elizete Cardoso, entre outros que eu gostaria muito que minha memória  lembrasse
( me perdoem mas eu esqueci alguns ), todos eles e mais Jair Rodrigues ,Elis Regina, O Quarteto e Os 3 Morais , Zimbo Trio, Orquestra completa e o Regional do Caçulinha..

Quem conhece esta Sinfonia , sabe que ela tem varias musicas, com vários andamentos de ritmo, cada tema é feito  para uma parte do Rio, Exemplo: Os Morros, Os Bares, O mar, O Céu, As Favelas, O Carnaval, tudo enfim que retrata  a beleza da cidade maravilhosa!!!

Cada artista destes,  pegou o roteiro de sua participação e a musica a ser cantada, na “Sinfonia do Rio de Janeiro”
Éramos  em   maioria jovens  quase todos nós e a relação das musicas sorteadas para cada um de nós, foi nos enviadas  2 dias antes,
O ensaio geral foi marcado para  a partir das 16:00 horas da segunda feira seguinte, o dia do programa , que era ‘ao vivo’
 “Que loucura”!!!

Todos nervosos e preocupados; Ninguém poderia fazer feio  pois prejudicaria o numero inteiro!!
Acho que esta foi uma das mais deliciosas loucuras que eu tive  a oportunidade de participar ativamente , em uma televisão ao vivo.

E o programa entrava pontualmente as 21:00.

Lá estávamos nós todos, colocados cada um em um  cenário, identificando as musicas!!
Lembro do Wilson Miranda, na parte de cima do cenário, que representava um morro...a parte dele era da música ‘Morro.

Os grupos vocais, no qual eu me incluía, além de nossas musicas de participação  em solo, tínhamos também de fazer as ligações de todas as musicas e ficávamos na frente , junto da Elis Regina e do Jair Rodrigues.

Chegou a hora  e todos nós , esperando o abrir das  cortinas , que ficavam fechadas; Ouvindo o barulho de uma plateia lotada, como sempre acontecia no Fino da Bossa e na Tv Record  , dessa época dos anos 60.
E ao  último sinal  as cortinas se abririam e já estaríamos todos ,sendo vistos pelo Brasil inteiro!
Enquanto o Jair Rodrigues nos distraia  pegando alguns pregos que ainda estavam pelo chão e que ele vinha colocar nas nossas mãos...
Estávamos todos tensos e com medo de errar...
E eu me lembro nitidamente  da  maravilhosa cantora e líder do programa, Elis Regina,  que deveria estar bem nervosa com a responsabilidade assumida por ela, em apresentar um numero tão complicado e com tantos participantes...
Elis Regina, ficou andando calmamente  no palco, sem demonstrar  seu nervosismo e  entre os cantores  a todos , um por um , ela falava baixinho:

“ SE ERRAR ...  ERRE  PRÁ VALER!!!!!”
Ou seja...
Ela não queria ninguém  cantando com medo, tínhamos que dar tudo de nós!
Esta foi uma das melhores  lições  que eu aprendi e que  eu nunca mais esqueci......
No palco não há meio termo! É tudo ou nada!

Elis Regina , para mim, foi e será sempre a melhor cantora do Brasil!
Dificilmente aparecerá outra que tenha tanto talento!
Elis cantava, interpretava e usava o palco inteiro como se fosse a sua casa.
Como mulher e cidadã, deu orgulho a todas nós mulheres, por suas convicções e  reivindicações.
Seus vídeos  de entrevistas gravados, mostram que tudo o que ela falava, era pertinente, mostrando que era uma mulher extremamente preocupada com o futuro do Brasil.
Elis Regina, foi  simplesmente maravilhosa!!!


    Esta foi a ELIS REGINA que eu tive a honra de conhecer.



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